top of page

História da PRAXE
Para melhor compreender a realidade que se vive na Universidade de hoje, é útil analisar o que a marcou no passado e quais as evoluções por que passou. No que toca às ditas “tradições académicas” – muito do que se diz para as justificar hoje encontra respostas interessantes nesse passado glorioso…
Séc. XIII
-
No final do século XIII é instalada a Universidade em Portugal. Nesta altura, D. Dinis reserva a parte alta da cidade de Coimbra para os estudantes e impõe horas de estudo e de recolha, sublinhando o carácter elitista e fechado da Universidade de então, que era absolutamente controlada pelo clero. Surge, então, a Polícia Académica (P. A.), cujo objectivo era o de “manter a disciplina escolar e punir disciplinarmente os actos de insubordinação”. Criou-se, inclusivamente, uma prisão académica para encarcerar todos quantos não cumprissem as ordens do monarca. É neste ambiente e neste contexto que se aplica o aparecimento das “tradições académicas”.
Séc. XVIII
-
D. João V proíbe as praxes, na sequência da morte de um estudante recém chegado à Universidade, durante uma “investida”. Ainda no século XVIII, passam a fazer parte das praxes o direito ao roubo e ao “sacar nevado”, ou seja , a escarrar em grupo sobre o novo aluno.
Séc. XIX
-
A meio do século XIX abriram estabelecimentos de ensino superior no Porto e em Lisboa, o que levou à radicalização do tradicionalismo coimbrão. Nesta altura, aparecem também os primeiros grupos anti-praxe organizados, que surgiram publicamente a contestar as praxes, depois da morte de um aluno em 1873.
Trupes
-
Com a progressiva a perda de força da P. A., os estudantes, que tinham lutado contra a sua repressão, organizam-se para lhe “tomar o lugar”. Criam, assim, as trupes, que não passam de milícias estudantis para reprimir os alunos do primeiro ano (ao contrário da P. A. que actuava indiscriminadamente sobre toda a comunidade). Ou seja, à repressão desenvolvida pelo Estado sobre os estudantes, seguiu-se uma nova repressão sobre aqueles que acabavam de chegar.
1910
-
Em 1910, com a implementação da República, são extintas as praxes e as trupes, por decreto governamental. No entanto, nove anos mais tarde ambas ressurgem , no contexto de várias mudanças no país, que haveriam de culminar no Estado Novo, que utilizava as trupes como forma de repressão e intimidação sobre os novos alunos. Em 1957, é editado pela primeira vez o código da praxe, que funciona como um instrumento para legitimar as praxes. No fundo, uma comunidade que se afasta do resto da sociedade precisa das suas próprias “leis”.
1969
-
Durante a crise académica de 1969 é declarado o luto académico como forma de luta contra o fascismo. Uma das consequências desta tomada de consciência dos estudantes foi a abolição não apenas das praxes, mas de todas as práticas de “tradição académica”. Numa altura em que se pretende combater um regime que oprimia todo o país, os estudantes compreenderam que tinham de sair da sua “casca” corporativa e abrir ao resto da sociedade, ao mesmo tempo que constataram que não fazia sentido manter as hierarquias e a repressão com base nelas, quando eram justamente esses alguns dos problemas que identificavam na sociedade portuguesa da época.
Anos ’80
-
No início da década de 80, as “tradições” voltam e espalham-se por todo o país. Numa altura em que se assiste a um novo folêgo do conservadorismo, foram utilizados como argumento os valores e a “tradição para garantir a recuperação de algo que já não parecia poder voltar. Paradoxalmente, é com a massificação do ensino que se retoma o ritual de iniciação, a indumentária própria e, em Coimbra e algumas Universidades do interior, as trupes. Tudo isto parece mais atribuível a uma comunidade fechada e pequena, mas é precisamente este espírito de corpo e de elite que é proposto aos estudantes e acaba por ganhar espaço. A proliferação das Universidades privadas (instituições que necessitavam algo que lhes conferisse “identidade”) ajudou também a organizar os interesses diversos que contribuíram para o enraizamento desta realidade.
Anos ’90
-
Na década de 90 surgem os primeiros grupos de estudantes anti-praxe organizados. Com o trabalho de vários militantes anti-“tradição” um pouco por todo o país, foi possível denunciar a ideologia das tradições e imprimir algum debate pelo menos no início de cada ano lectivo. Analisando o passado, é fácil perceber que é justamente da autoridade e da ausência de discussão que sempre viveram estas actividades. Apesar de ainda muito estar por fazer, a prática do associativismo, os hábitos de discussão, o sentido crítico, a imaginação e a vontade de recusa de cada vez mais estudantes são argumentos para a mudança.
bottom of page